Resumos
Capítulo 4: “A dimensão ético-política”
I. Ética, direito e política
A ética, direito e política são conceitos que se referem a perspectivas reguladoras da nossa experiência convencional. No entanto, o direito e a política intervêm no sentido de regulamentar a actuação das pessoas na sociedade.
Ética:(valorização da dimensão pessoal) é uma área interior em que se lida com as intenções do sujeito, mas a acção extravasa para o exterior, ou seja, podem comprometer o normal funcionamento da comunidade.
Direito:foi uma criação baseada na necessidade de estabelecer normas jurídicas que regulam o convívio entre as pessoas, de modo a verificar-se o mínimo de “atropelos”.
Porém, existem normas de dois tipos:
NORMAS MORAIS:são preceitos ideais, na medida em que indicam o modo segundo o qual as pessoas devem agir se desejam comportar-se bem. Visando promover a dignidade de todos os seres humanos, estas normas tendem para a universalidade. Isto é, experienciam-se no plano da subjectividade e o seu não cumprimento de condutas ilegítimas.
NORMAS JURÍDICAS:o cumprimento confronta-se com a autoridade pública, que dispõe de meios coercivos para as fazer cumprir. Estas situam-se num plano intersubjectivo, e a sua não observância determina comportamentos ilegais (contrários à lei).
II. Liberdade e Justiça SocialAquilo a que chamamos “Liberdade” nem sempre foi assim, pois esta corresponde a uma conquista progressiva da humanidade, atravessada por reveses e vicissitudes da vida (exemplo: A revolução dos cravos – 25 de Abril de 1974).
Nesta evolução mental e de atitudes no que respeita ao reconhecimento dos direitos humanos distinguem-se algumas gerações.
• 1ª Geração: LIBERDADES INDIVIDUAIS
Surgem as liberdades individuais e os direitos de participação política, como resultado da reivindicação do liberalismo dos séculos XVII e XVIII face às monarquias absolutas. Com o Estado de direito.
ESTADO DE DIREITO:sistema político que respeita as liberdades básicas de tal modo que ninguém se encontra acima da lei, nem mesmo o próprio Estado.
(Direitos: civis e políticos; Valor: Liberdade; Modelo de Estado: Estado de Direito)
• 2ª Geração: JUSTIÇA SOCIAL
Surgem os Direitos económicos, sociais e culturais. A consciência de disparidades sociais como estas levou a que se começasse a desenhar o conceito de JUSTIÇA SOCIAL, que tinha por objectivo minorar as desigualdades entre as pessoas. Portanto, exige que o produto social seja distribuído de modo justo e equitativo.
ESTADO SOCIAL DE DIREITO: sistema político que respeita, além da igualdade dos cidadãos perante a lei, o direito de acesso aos bens básicos para poderem participar na vida política e cultural.
JUSTIÇA SOCIAL:aparece como a tentativa de instauração na prática social do verdadeiro sentido da justiça, na medida em que se esforça por amenizar as diferenças económicas, sociais e culturais existentes no seio das sociedades. Porém, é a justiça social e as instituições que têm a seu cargo promovê-la fundamentam as suas actuações na natureza social do homem e na finalidade social da riqueza e de outros bens.
(Direitos: económicos, sociais e culturais; Valor: igualdade; Modelo de Estado: Estado Social de Direito)
• 3ª Geração: JUSTIÇA INTERNACIONAL
Nesta etapa luta-se por direitos básicos muito gerais, mas sem os quais o exercício dos direitos anteriores ficaria comprometido. Ou seja, entende-se porJUSTIÇA INTERNACIONAL, a promoção por organizações, o que implica que os Estados não renunciem toda a autoridade nacional, mas ao carácter absoluto da sua soberania. Por outras palavras, implica que as grandes nações aceitem algumas restrições de direito, exigidas pela constituição de organizações supranacionais.
(Direitos: paz e ambiente saudável; Valor: solidariedade; Modelo de Estado: Estado Solidário)
III. Responsabilidade pelas gerações vindouras
Nós, seres humanos, vivemos numa ilusão de bem-estar e vamos tomando consciência de que o poderio técnico e material não passa de um aspecto que talvez não tenha a relevância que sonhámos. Isto acontece porque nos falta o lado humano, assim como nos falta progredir em termos de sociedade, de solidariedade, igualdade e de liberdade, que têm de passar a ser factos.
Pois, não basta ser “ um cidadão do mundo” apenas no presente, mas sim do futuro. E como diz Alvin Toffler, 'temos que ser contemporâneos do futuro'. Não em termos pessoais, mas“cidadão do mundo” das gerações vindouras.
IV. Igualdade e diferenças
A IGUALDADE é um valor a progredir ao longo da história. A nível filosófico, esta questão tem suscitado, ao longo do tempo profundas reflexões, se bem que o conceito de IGUALDADE tenha aparecido diferentemente interpretado.
Para Platão a Igualdade era um conceito amplo, contrariamente a Aristóteles.
Aristóteles conferiu à igualdade um significado mais restrito, concebendo-a como virtude do “igual”, reguladora da convivência humana.
A partir desta matriz começou-se a manter indissociavelmente ligadas as ideias de JUSTIÇA e de IGUALDADE.
A “IGUALDADE” aristotélica manifesta-se de 3 maneiras:
• Justiça comutativa:que se estabelece nas relações entre os indivíduos, com base na igualdade ou equivalência.
• Justiça distributiva:que regula as actuações da sociedade em relação aos indivíduos, e que se pratica na distribuição; ou seja, os benefícios e riquezas serão repartidos em função da situação das pessoas no que respeita a méritos e dignidade.
• Justiça legal:que regula as actuações dos indivíduos em relação à comunidade, tratando dos aspectos relacionados com o cumprimento das leis, ou seja, a justiça é o mesmo que legalidade.
No entanto, este conceito aristotélico de IGUALDADE alterou-se na Idade Moderna, que começou a impor um novo conceito onde todos os Homens são iguais perante a lei e todos possuem igualdade de direitos. É neste contexto de igualdade que se supõe que há respeito pela dignidade humana.
Porém, o reconhecimento de uma igualdade fundamental não impede, na actualidade, o reconhecimento de diferenças. Permanece a ideia de uma igualdade proporcional, mas com a intenção de construir para uma maior simetria, para o incremento de uma igualdade de facto, com especial atenção aos seres humanos mais desfavorecidos.
V. Justiça e Equidade
A propósito da Justiça Distributiva, vimos que a teoria aristotélica já apresentava o conceito de distribuição equitativa. Porém, actualmente, segundo John Rawls, EQUIDADE toma um novo sentido.
Para Rawls, a sociedade é um conjunto de pessoas cujas relações se regulam por alguns princípios de JUSTIÇA que têm que se impor com a força de imperativos categóricos, estando de acordo com o critério da universalidade. Tais normas de justiça terão que possuir um carácter contratual e social. De modo, a organizar a sociedade de acordo com uma justiça imparcial ou equitativa.
A tese de Rawls sintetiza-se numa concepção geral de equidade, que se desenvolve em torno dos Princípios da IGUALDADE e da DIFERENÇA.
P. IGUALDADE:refere-se a um conjunto de liberdades fundamentais e exprime o regime de igualdade que lhes corresponde. Tem prioridade sobre o segundo, de acordo com a sua concepção de que ‘o bem colectivo é superior ao bem individual’.
P. DIFERENÇA:garante a protecção civil, aplicando a distribuição de benefícios e exprime um regime de igualdade distinto do pressuposto no princípio anterior.
Portanto, a TEORIA DA JUSTIÇA de Rawls situa-se na “justiça do agente”, isto é que os princípios (posição original) que se regem a sociedade são justos se derivam de um determinado agente fictício que se supõe ser imparcial (véu de ignorância), livre e racional (acordo original). O que implica que os princípios de justiça só possam ser encontrados por um observador ideal.
Textos
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Ter
ética - reflectir eticamente- consiste em decidir através de razões o que em
cada momento é preferível fazer, Fernando Salvater, O Conteúdo da
Felicidade.
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Síntese
Éticas
Consequencialistas/Teleológicas e Deontológicas
Stuart Mill
e Immanuel Kant
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1.
Stuart Mill (1806-1873)
A ética de Suart Mill é uma visão renovada e crítica da ética
utilitarista de Jeremy Bentham (1748-1832), reflectindo também o
ideário positivista de Auguste Comte (1798-1857) e a sua crença na ciência e
no progresso da Humanidade.
É uma ética que reflecte em multiplos aspectos a nova
mentalidade democrática e burguesa que surgiu em Inglaterra no século XVIII.
Há nesta ética uma clara preocupação por ser facilmente compreendida pelo
cidadão comum e cujos resultados pudessem ser medidos pelos seus efeitos
práticos.
A ética utilitarista denominada "consequencialista"
assenta na ideia que cada pessoa deve articular os seus interesses
particulares com os interesses mais comuns, de maneira que a sua acção seja
boa, isto é, proporcione a máxima utilidade a todas as pessoas envolvidas nos
resultados da acção.
Da mesma maneira que cada qual aspira por natureza à felicidade
individual, assim também o bem-estar de todos é um bem para a totalidade dos
seres humanos.
Um acção boa é aquela que é útil, mas uma acção moralmente
correcta é aquela cujas consequências se traduzem em felicidade (prazer )
para as pessoas. A correcção de uma acção é medida pelas consequências que da
mesma se esperam. Um modo de as avaliar é medir o aumento da felicidade
(prazer) e a diminuição do sofrimento dos que são afectados pela mesma.
O princípio do utilitarismo denominado Utilidade ou Maior
Felicidade, sustenta que as acções são justas (correctas) na proporção
com que tendem a promover a felicidade, e injustas enquanto tendem a produzir
o contrário da felicidade. A aplicação deste princípio implica um calculo,
uma espécie de aritmética do bem-estar, no qual se avaliam as vantagens e
desvantagens das diferentes alternativas de uma dada acção, tendo em conta o
grau de satisfação ou insatisfação que delas se pode esperar.
Neste calculo devem ser considerados um conjunto de parametros
para avaliar a satisfação/insatisfação esperada, tais como: a sua
intensidade, duração, certeza ou incerteza, a sua tendência, probabilidade da
mesma dar origem algo da mesma espécie, etc. Este calculo utilitarista visa
seleccionar a acção que seja boa (util) e moralmente correcta, isto é, que
permita obter o máximo de felicidade (prazer ) no maior número de pessoas.
Saber Mais: Utilitarismo, Stuart Mill
2.
Immanuel Kant (1724-1804)
A ética deontológica de Kant apesar de profundamente inovadora,
não deixa de reflectir algumas ideias da sua época - o século das Luzes
(Iluminismo), das quais destacamos as seguintes:
- Razão. O século XVIII divinizou a racionalidade, isto
é, a possibilidade da razão guiar a Humanidade e descobrir todos os segredos
do Universo. A ciência devia ocupar o lugar que até aí fora da religião.
Kant colocou a razão no centro da sua reflexão filosófica.
- Liberdade. As ideias de "autonomia" e
"emancipação", omnipresentes no discurso político do século XVIII,
significavam o fim de todas as formas de superstição e da opressão política e
religiosa dos os Homens.
O reconhecimento que todos os homens, independentemente da sua
condição social, tinham capacidades inatas para serem juízes das suas
próprias acções.
- Bondade Humana. Filósofos como J.Jacques Rousseau
constroem uma ficção histórica, segundo a qual o "homem primitivo"
, possuía já uma consciência que lhe permitia distinguir o bom do mal, justo
do injusto, certo do errado. As decisões erradas
derivam não da natureza humana, mas sim da influência da cultura ou da
sociedade.
Kant afirma que a capacidade de distinguir o que é certo do que
é errado é tão inata quanto as outras propriedades da razão. Não se trata
portanto de ensinar nada, mas de libertar a razão.
Esta ideia torna-se fundamental para a fundamentação de muitas teorias
políticas e éticas, assentes numa visão optimista do ser humano.
- Universalidade. Os filósofos passam a falar na
Humanidade, isto é, assumem o conceito universal de ser humano. O seu
discurso dirige-se agora claramente a todos os homens, aos quais reconhecem
os mesmos direitos e deveres. As leis morais, como as leis das ciências da
natureza, devem ser universais.
Kant coloca-se sempre numa perspectiva universal, nomeadamente
na sua reflexão ética. Afirma, por exemplo, que um princípio prático (moral)
para tenha validade como lei, tem que ter validade universal (valer para toda
a vontade ou para a vontade em geral). É nesse sentido que sustenta uma moral
formal.
Legalidade e Moralidade
Kant começa por fazer uma clara distinção entre uma acção boa
e uma acção moralmente boa.
A primeira corresponde à que fazemos em respeito às leis e
normas morais de uma dada sociedade. Trata-se de uma acção conforme ao dever.
A segunda resulta de uma decisão nossa, livre e incondicionada,
que se impõe à nossa consciência como obrigatória, independente das leis ou
normas morais vigentes. Trata-se de uma acção assumida como um dever e
realizada por dever. Esta é a única moralmente boa.
Em
termos formais (Kantianos) esta obrigatoriedade decorre da liberdade, a
autonomia da vontade.
A
obediência é apenas para com as decisões universalizadas, isto é, decisões
imparciais, de utilidade geral, etc.
O
dever surge como um imperativo categórico - tu deves -, que se impõe a uma
consciência moral inteiramente livre.
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